quarta-feira, 27 de maio de 2015

Perseguição e Cerco a Juvêncio Gutierrez

Depois daquela noite nunca mais vi Mirta del Sol. Ifigênia tinha razão. Temos o coração em pedaços. Inconscientemente, somos caçadores desses pedaços, buscando refazer o antigo desenho. Um dia vou achar os pedaços do meu corão fragmentado. Adivinho como ele será: guerreiro, destinado a violência e a misteriosa tristeza. Será a memória daqueles dias da fonteira, à beira do rio. Serão os verões, os invernos, a canoa deslizando junto a barranca. A lembrança desses dias será uma pérola, perfeita como o segredo de Juvêncio Gutierrez criara para si, e ficará guardada num cofre fechado na memória. Alguma vez, porém, quando me sentir encurralado pela mediocridade do mundo, e for insuportável sua feiúra, e a solidão apertar com mais força suas garras, permitirei que o cofre se abra lentamente. Dominado por sensação idêntica à de velho monge aproximando-se da sabedoria, então contemplarei a pérola, imaginando, trêmulo, obstinado, esperançoso, o mistério de sua beleza, sempre deslumbrante.

Trecho retirado do livro de TABAJARA RUAS, gaúcho e um dos maiores escritores brasileiros, uma verdadeira obra-prima. Feliz é aquele que tem a sabedoria de escolher bons livros.